Não é segredo que as mulheres ocupam a metade da população brasileira, composta por 48,9% de homens e 51,1% de mulheres, porém a minoria quando falamos em políticas. Sobretudo as mulheres pretas, cessadas de inclusão na sociedade. Temos como primeiro exemplo os empregos, que está ligado a problemática da vida das pretas desde a escravidão. Quando se trata de empregabilidade, a mulher preta é sempre preterível em relação aos seus concorrentes em uma possível vaga. Levando-as para o subemprego, e muitas vezes ocupando espaços que são inferiores ao seu nível de escolaridade e ganhando menos. Desigualdades podem ser verificadas em diversas estatísticas, contudo, elas são ainda mais gritantes quando se trata da mulher preta.
Segundo pesquisa da FGV, a taxa de informalidade entre as mulheres pretas ocupadas também tem sido elevada. No 1º tri de 2022 43,3% das mulheres pretas ocupadas estavam em postos de trabalho informais, taxa superior à média nacional (40,1%), dos homens brancos/amarelos (34,8%) das mulheres brancas e amarelas (32,7%). Por outro lado, ficou abaixo da taxa entre homens negros (46,6%). O enorme espaço que o trabalho ocupa hoje na vida das mulheres pretas reproduz um padrão estabelecido durante os primeiros anos da escravidão.
“O ponto de partida de qualquer exploração na vida das mulheres negras na escravidão seria uma avaliação de seu papel enquanto trabalhadora” Ângela Davis (2016) – Mulheres, raça e classe.
Mas é só na empregabilidade que é difícil ser uma mulher preta? Não! Nesse cenário, são as mulheres pretas que de forma acentuada sentem o impacto dessas políticas, interseccionando em si as estruturas racistas, patriarcais, sexistas e heteronormativas, pois há uma questão de gênero fundamental nessa equação – a qual coloca as mulheres numa condição subalterna e passível de objetificação. No Brasil, uma mulher jovem e preta tem mais que o dobro de chance de ser vítima de homicídio quando comparada a uma jovem branca. É o que revela o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência (IV) 2017, divulgado pela UNESCO.
No ambiente de trabalho as mulheres pretas, estão mais sujeitas a sofrer assédio sexual. “Este é mais um aspecto que atinge mulheres negras de forma particular, já que o corpo negro foi desumanizado, visto como reprodutor e objeto sexual por séculos, herança do nosso período escravocrata. A pesquisa ‘O ciclo do assédio sexual nos ambientes profissionais’ reconhece o racismo como um dos fatores que agravam a condição das mulheres negras”, aponta o relatório da Think Eva. Viver com o medo constante de ficar sozinha com um homem, faz com que fiquemos alertas a todo momento. Brincadeiras, piadinhas, e até mesmo conversas interpretadas de maneira errada, faz parte do dia-a-dia de toda preta.
No entanto, essa situação é muito mais complexa, pois esta é duplamente estigmatizada: pela sua condição de mulher e pela questão racial. A discriminação racial na vida das mulheres pretas é constante, apesar disso, muitas constituíram estratégias próprias para superar as dificuldades decorrentes dessa problemática.
Observa-se que as pretas, são preteridas em muitos aspectos na vida. Tendo em vista a forma que a racialização toma conta dos âmbitos no cotidiano. Quando falamos em desafios das mulheres pretas, podemos citar trocentas situações do dia-a-dia, desde sair na rua e ser vista como um pedaço de carne, pela hiper sexualização dos corpos pretos, a ser a mulher escondida dos amigos, quando falamos em relacionamentos afetivos. Ainda nessa base, falamos sobre a solidão da mulher preta, e como ela é sentida na pele todos os dias, por mulheres que só querem ser valorizadas e amadas, como qualquer branca. “A mulher negra era vista com um aspecto sensual e sexual, a personificação da sensualidade. Os senhores de fazenda se encantavam para o sexo e o prazer, mas, na hora de assumir para a sociedade e para formar família, era a mulher branca quem eles escolhiam”, explicou Morena Cascão, psicóloga clínica especialista no universo feminino.
Essa herança implantou no imaginário social a imagem da mulher ideal para amar e formar família, que raramente é a imagem da mulher preta. A idealização de família tradicional na sociedade que vivemos, não inclui uma preta de mãe, nora, cunhada, e assim sucessivamente. E isso faz que essa solidão, venha causando problemas psicológicos (ansiedade, autoestima baixa, depressão, depreciação e afins) nessas mulheres, que imaginavam um príncipe no cavalo branco, chegando em suas vidas para cuidá-las. Como nos fizeram acreditar por várias gerações. Esses comportamentos são reproduzidos cotidianamente, e a mulher preta passa a se sentir solitária não só no âmbito do amor romântico, mas nas amizades, na vida profissional, entre outros. Perguntas como: por que eu nunca sou escolhida? Por que não eu? Por que? Surgem diariamente para construir e perpetuar em nossas cabeças esse sentimento, nos trazendo um local de rebaixamento simplesmente por sermos quem somos.
Vendo, por outro lado, temos nossos cabelos e corpos sendo violados diariamente por comentários, e ditaduras, que colocam as pretas em lugar de objetos. Nos tornando cada vez mais inseguras com o que é natural, e deveria ser leve. A nossa aparência é tida como desleixada, nosso cabelo como sujo, e nosso corpo como um pedaço de carne, feito para satisfazer a supremacia branca “no off”. E isso nos torna menos mulheres que as brancas? Não! Mas o estereótipo de mulher perfeita, não nos inclui. Há não ser que estejamos escondidas entre quatro paredes.
*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião da JSB.