O desaparecimento físico do presidente da Venezuela Hugo Chávez representa uma perda inigualável para toda a América Latina e trouxe novamente à tona um forte debate sobre a importância desta liderança para todo o continente.
O fenômeno Chávez foi a cria natural do caracazo, quando a crise neoliberal atingiu seu ápice na Venezuela. Depois de uma frustrada tentativa de tomada de poder em 1992, Chávez esteve preso por dois anos e, reconhecido pelo povo, foi eleito, em 1998, como presidente pela primeira vez. Vítima de um golpe orquestrado pela direita golpista, que contou com participação dos meios de comunicação e, inclusive, de organizações ligadas aos Estados Unidos, foi reconduzido ao poder pelo povo venezuelano. A partir daí, uma série de esforços foram realizados com o intuito de transferir a receita petroleira para os setores mais vulneráveis da sociedade através de políticas sociais de longo alcance.
A Venezuela viveu uma verdadeira reformulação do Estado e de suas instituições e foi palco de uma das mais avançadas políticas de redistribuição de terra da região. Como resultado, o país é hoje o que apresenta a melhor distribuição de renda da América do Sul, o melhor salário mínimo da região e erradicou o analfabetismo em seu território. Além disso, o resgate da ideia bolivariana de unidade latino-americana e a criação do chamado “socialismo do século XXI” devolveu a Venezuela ao mapa geopolítico global e transformou o país não apenas em uma liderança regional, mas também em um importante ator no cenário internacional.
Enquanto no Brasil ou na Colômbia, na Argentina ou no Equador, os grandes meios de comunicação a serviço de suas respectivas oligarquias festejam a morte de Chávez, os empobrecidos da nossa região o choram. Chávez sempre foi vítima de uma guerra midiática e não poderia ser diferente hoje. A explicação para as constantes agressões é o fato de que o presidente venezuelano decidiu mexer com os interesses de um grupo de privilegiados que havia se apropriado da renda do petróleo e que, enquanto concentrava a riqueza, permitia que grande parcela da população vivesse em condições de extrema pobreza.
Em clara tentativa de deslegitimá-lo e de diminuí-lo, os grandes meios de comunicação de toda a região não cansam de chamá-lo de “déspota” e de “populista”. Ignoram, no entanto, que o voto popular levou Chávez ao Palácio de Miraflores e para lá o reconduziu por duas vezes mais, através de eleições democráticas reconhecidas inclusive pelo Centro Carter. Além disso, cada uma das decisões estratégicas, como a aprovação da Constituição Bolivariana, passaram por aprovação popular, tornando a democracia venezuelana a mais participativa das Américas. Foram, ao todo, catorze processos eleitorais desde a chegada de Chávez à presidência. É importante ressaltar, ainda, que a estratégia adotada pelo líder bolivariano, diferente do que se costuma propagar, não foi a de cercear a liberdade de expressão, mas a de criar uma alternativa comunicacional que pudesse concorrer com os tradicionais oligopólios. Como resultado destes esforços, nasceram a TeleSur e a Venezolana de Televisión. Isto não impede, no entanto, que a golpista Globovisión e os jornais impressos opositores de Caracas sigam à disposição de quem opte por eles. Somente a RCTV que, após chamar a um golpe contra Chávez em 2002 e de violar diversas outras normas legais, perdeu suas licenças, mas segue oferecendo a sua programação em TV fechada.
Por acreditarem que o nacionalismo só é permitido às grandes potências desenvolvidas do hemisfério norte, aqui o tacham pejorativamente de populismo. Políticas sociais que têm como fim o objetivo de diminuir a desigualdade e oferecer os serviços essenciais a todas as camadas da população são enaltecidas em toda a Europa, mas julgadas como puramente eleitoreiras quando implantadas em qualquer país da América Latina. Não podem, sem embargo, negar os incontáveis avanços que foram conquistados pelo povo venezuelano nos últimos anos e que Chávez deixa como legado dos seus 14 anos de governo.
Chávez também foi constantemente acusado de “dividir” o povo venezuelano, separando-os em opressores e oprimidos. Ora, não é esta a verdadeira divisão reinante em todas as nações latino-americanas? De norte a sul, nossos países são conformados por uma elite que, historicamente e com grande voracidade, se apropriou da riqueza ali produzida. Como a mesma lógica se repete no sistema internacional, estas mesmas elites, por ocuparem os espaços de poder sem possuir qualquer projeto de nação, submetem os seus países à rapinagem global e os transforam em exportadores de bens primários, de força de trabalho barata e, principalmente, de capital. O nível de consciência política obtido por grande parte da população venezuelana cria o rechaço natural à mediocridade da burguesia tradicional e à sua maneira predatória de fazer política.
A recuperação do orgulho nacional e a consciência que as grandes massas adquiram na Venezuela faz com que se sintam atores protagônicos do processo de transformação por que vive o país e é exatamente nisto que a esquerda latino-americana deposita as suas esperanças. Parafraseando a Eduardo Galeano: porque não quer voltar a ser invisível, o povo venezuelano não permitirá o retrocesso e a perda da dignidade recuperada e do legado deixado por Chávez.
Que viva Chávez!
Chávez vive, la lucha sigue!
Fabiana Oliveira integra o Núcleo de Base Internacionalista do PSB/SP