Quem nunca se utilizou da expressão, em choques casuais de socialização pelo Distrito Federal: “Nossa, mas Brasília é um ovo?”. Em nosso cotidiano candango vivemos uma situação de “deja vu” constante: lugares comuns, círculos sociais semelhantes, hábitos parecidos, etc. Chegamos a ter a impressão que uma cidade com quase 3 milhões de habitantes na verdade só tem você, suas amigas e amigas de suas amigas.
No entanto, nessas situações o que dificilmente paramos para refletir é: “mas Brasília é só isso?” Tenta pensar no mapa de Brasília e localizar as nossas Regiões Administrativas espacialmente pela cidade. Infelizmente, acredito que nos surpreenderíamos com o número de distorções do cenário imaginário para o real. O que temos hoje é uma cidade fracionada, assimétrica e desigual. Muito parecida com um quebra cabeça, mas que suas peças não se harmonizam, não se encaixam, ou seja, não formam um todo comum.
Vivemos em Brasília situações de extremos: de um lado temos um dos maiores IDHs do país, do outro a maior favela da América Latina; temos um bairro com um dos metros quadrados mais caros do país, mas também o maior déficit habitacional proporcional entre as dez maiores regiões metropolitanas do Brasil; há um bairro que se diz verde e sustentável, há outro que tem um lixão a céu aberto. As contradições são tantas que poderíamos passar o dia a descrevê-las.
O Direito pleno à cidade nos é negado cotidianamente. Somos direcionados a consumir materialmente, culturalmente e simbolicamente aqueles bens que fazem parte do nosso DNA socioeconômico. Falo DNA, pois é algo tão enraizado em nós que temos poucas oportunidades de mudança dessa casta. A cidade nos condiciona a um modo operante de vida que determina os espaços que podemos ocupar e aqueles que não pertencem à nossa realidade.
É, por isso, que acredito que, na verdade, Brasília é uma caixa de ovos, onde cada qual tem seu compartimento bem definido, com estruturas frágeis, que o contato entre esses mundos gera atritos que podem significar em fissuras irreversíveis.
Somos um produto social de nossa cidade e nossa ação cotidiana, quando não feita de maneira reflexiva, tende a perpetuar essa estrutura. Infelizmente o que vemos atualmente é um processo de intensificação da segregação socioeconômica e espacial, a condominização e privatização dos bens que deveriam ser comuns, como a moradia e segurança pública.
Vivemos reféns de uma Brasília dominada por interesses econômicos escusos, pela lógica da especulação imobiliária e da política do medo. Precisamos romper com esse modelo retrogrado e garantir um direito pleno à cidade e isso só se fará possível ao criarmos um sentimento de totalidade, de busca pela desconstrução das assimetrias socioeconômicas e pelo rompimento das barreiras culturais e simbólicas que nos são impostas. É necessário pensarmos em uma cidade como um espaço de provimento de bens públicos, e de garantia e expansão de direitos sociais, políticos e civis.
Rodrigo Dias é Secretário Distrital da Juventude Socialista Brasileira.