Sabe-se que o Estado brasileiro não pode delegar a garantia da execução penal, ou seja, a aplicação das penas em conformidade com a legislação, e também não é permitida a delegação da tutela dos apenados sob custódia estatal. No entanto, o plano de privatização do sistema prisional visa manter as atribuições jurídicas do Estado e flexibilizar a contratação de entidades privadas para gerir as instituições e complexos penitenciários.
Portanto, a direção da unidade prisional, a guarda externa e a carceragem permanecem sob exclusiva responsabilidade estatal, uma vez que é o Estado que detém o “monopólio da força”, definido pelos recursos humanos designados para coerção e policiamento. Entretanto, o Estado não precisa ser o proprietário do prédio físico, nem administrar a manutenção dos espaços, fiscalizar a alimentação fornecida nas lanchonetes e restaurantes, nem o serviço prestado pela lavanderia e/ou outros espaços que desenvolvam projetos de trabalho, renda e ressocialização garantidos ao apenado. Dessa forma, a Parceria Público-Privada (PPP) visa a redução do custo da operação e uma melhor aplicação na utilização dos recursos públicos.
É imprescindível analisar que o Brasil ocupa a terceira posição mundial em relação ao número de pessoas no sistema prisional, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), por meio do Levantamento de Informações Penitenciárias referente ao primeiro semestre de 2023, o país possui mais de 640 mil presos em celas físicas. Dentre esse contingente, 68,2% são pessoas negras (pretos e/ou pardos), enquanto 46,4% são jovens com idades entre 18 e 29 anos. Vale ressaltar ainda que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 41,5% das prisões no país são provisórias, ou seja, não possuem condenação judicial e que 30% dos encarcerados estejam detidos por aplicação da Lei de Drogas em posse de menos de 100g de maconha.
Sendo assim, é crucial compreender que esse fenômeno do encarceramento em massa da juventude negra não se trata de uma crise passageira, mas sim de um projeto político implementado pelo Estado, por meio do poder executivo, legislativo e judiciário. Este projeto busca benefícios econômicos que contribuem para a mercantilização do sistema penitenciário, ao mesmo tempo em que gera capital político para os políticos conservadores que perpetuam a desrespeitosa e desumana ideia de que “bandido bom é bandido morto”.
Em 2016, a subsecretária de Justiça dos EUA, Sally Yates, declarou que “o desempenho das prisões privadas é inferior às prisões administradas pelo governo, principalmente porque não reduzimos os custos e nem mantemos os mesmos níveis de segurança e proteção”. É relevante destacar que os Estados Unidos iniciou a implementação do plano de privatização das unidades prisionais em 1980 como resposta a uma crescente onda de criminalidade decorrente da guerra às drogas. A aprovação desse plano tinha como objetivo a redução dos custos por pessoa encarcerada e o combate à superlotação nos presídios.
É essencial ressaltar que cada preso custa, em média, R$ 1.500,00 mensais em presídios geridos integralmente pelo Estado, em comparação com o valor médio mensal de R$ 4.500,00 ao analisar os dados de unidades prisionais administradas por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Exemplos desses dados incluem a nota técnica sobre a proposta de privatização da Conectas Direitos Humanos, em parceria com outras 15 entidades, e o relatório de prisões privatizadas no Brasil em debate da Pastoral Carcerária Nacional (CNBB). Esses estudos de campo, respaldados por análises estatísticas demonstram a precarização nas condições dos presos. Vale notar que o custo para o Estado é três vezes superior à média, enquanto os detentos são privados até mesmo de itens básicos de higiene.
Conclui-se, portanto, que o aumento desses valores não é acompanhado pela melhoria nas condições durante o cumprimento da pena. Isso desmistifica a ideia de que toda concessão é mais vantajosa financeiramente para o Estado e, escancara que quando o empresário recebe um valor fixo por presidiário, o aumento do lucro ocorre pela diminuição dos custos, o que, neste caso, significa reduzir o acesso aos direitos humanos dos presidiários. Por fim, de acordo com o Padre Gianfranco Graziola da CNBB: “Com a privatização do sistema prisional o encarcerado torna-se mercadoria e perde sua humanidade, seus familiares tornam-se objetos de negócio desse sistema”
*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião da JSB.