A Lei 1390/51 é considerada a primeira norma brasileira que dispôs sobre o combate ao racismo, sendo sancionada durante o mandato de Getúlio Vargas, à época presidente do Brasil. Neste momento, é necessário mencionar que à época da legislação sancionada, foi considerado um ‘’reconhecimento’’ do racismo no país. Isso porque, tratando-se da década ‘’passada’’, foi considerado um grande passo, contudo, de baixa efetividade.
Imperativo mencionar também que no Brasil sempre existiu o mito de uma certa igualdade racial. O maior problema era que as legislações acompanhavam esse retrocesso. À medida que as primeiras legislações abordavam o tema como contravenção penal, considerava-se um crime de menor potencial ofensivo. Ora, ao mesmo tempo que a Lei ‘’trazia’’, ela também ‘’tirava’’. A Lei, embora considerada um avanço em meio aos elementos estruturais que privilegiavam a branquitude, visava a ‘’redução’’ dos aspectos/atos criminosos.
Mesmo com a Lei ganhando nova redação e ampliando os entendimentos, o elemento foi substituído. A Lei 7.716/89, também conhecida como ‘’Lei Caó’’, de autoria do ex-deputado Federal Carlos Alberto Caó de Oliveira, parlamentar atuante no movimento negro durante a Assembleia Constituinte que redigiu a Constituição Federal de 1988, pode trazer, aprimorar e agregar importantes desenvolvimentos na legislação. Diferentemente das primeiras normas/legislações promulgadas, que consideravam o crime de racismo como uma contravenção penal, a Lei 7.716/89 define os crimes resultantes do processo racial, prevendo inclusive a pena de reclusão para aqueles que praticam o ato delituoso.
O crime de racismo, injúria racial, discriminação não se trata apenas de um crime contra a vítima que sofre a agressão, mas sim, de uma ofensa (e grave!) à dignidade do ser humano, resultando no sentimento de revolta e intolerância. Isso não é compatível com os valores de uma sociedade miscigenada e que deve ser livre de qualquer tipo de discriminação e preconceito.
Nesse mesmo cenário, pode-se afirmar que os negros passaram por duras penas desde a escravidão até a entrada em vigor da Lei Áurea. Foi uma conquista significativa, mas longe de garantir a igualdade necessária. Após a falsa ‘’libertação’’, muitos foram libertos sem aptidão e saúde para seguir uma vida digna. Além disso, nunca houve o reconhecimento de direitos (educação, saúde e vida), terras conquistadas, consideração, digna remuneração, lugar de fala, poder ou qualquer lei efetiva e célere que colocasse o negro em pé de igualdade de direitos e conquistas que os brancos ‘’conquistaram’’ pela cor da pele, ou melhor, que garantisse a dignidade sem qualquer distinção, conforme prevê a Constituição Federal de 1988.
Historicamente falando, o Brasil utilizou o trabalho escravo desde a sua colonização e foi o último país a abolir o regime escravocrata. Atualmente, reportam-se casos de pessoas negras encontradas em situações de trabalho análogas à escravidão. Mesmo que o desfecho jornalístico mostre equívocos, o fato é que não deveria sequer existir a hipótese de trabalhos análogos a esse tipo de crime de tamanha gravidade.
A necessidade da implementação de políticas sociais tornou-se evidente desde o momento em que iniciava-se o fim da escravatura. No entanto, os negros nunca tiveram políticos que os representassem com sensibilidade e eficiência para assegurar os direitos fundamentais necessários. Mesmo tendo adquirido uma ‘’liberdade’’, ficaram à mercê da marginalidade da cidade.
É notório que as legislações puderam ser atualizadas e reavaliadas e hoje, mesmo que com dilação, asseguram o crime como imprescritível e inafiançável. No entanto, somente em 2023 foi sancionada a lei que equipara a injúria racial ao racismo. Ou seja, o crime passou a ser inafiançável, imprescritível e sujeito à prisão. Ainda nesse ano, com tantas atualizações e consciência de toda sociedade brasileira da gravidade do crime, um político – por esquecer o microfone ligado -, foi ‘’pego’’ e perdeu o mandato por um comentário extremamente maldoso, preconceituoso e racista. Pasmem, os representantes da sociedade miscigenada e que devem trabalhar em prol da sociedade.
Mesmo com as atualizações e mudanças legislativas, a evolução ou falsa evolução societal coloca os negros em situações discriminatórias, em pé de desigualdade. Portanto, de forma frequente, o racismo ainda é escancarado, como nos exemplos supracitados.
Embora a Lei de Crime Racial (7.716/89) tenha tipificado os crimes resultantes do preconceito racial e aberto portas para outras legislações e implementações, é fundamental atender às necessidades de políticas que fortifiquem o combate ao racismo e alteroso para o tratamento de direitos iguais já assegurados na maior legislação existente, a Constituição Federal de 1988. Os avanços e conquistas foram grandes, mas a efetividade deve acompanhá-los. Portanto, são fundamentais as políticas públicas e sociais, bem como a denúncia de atos delituosos, independentemente de quem os cometa.
É inquestionável que a cor da pele não define o caráter, pois este é definido através do comportamento moral e ético. Não é à toa que, nos dias atuais, os negros, mesmo com resistência de muitos/as, têm ocupado espaços de fala, poder, profissões e cargos públicos, mandatos e com certeza ocuparão muito mais para que a força, a sabedoria e a dignidade estejam cada vez mais à mostra. Para que possam desfrutar, com plenitude, após tantas dificuldades, mas com resistência, dos mesmos espaços que os privilégios da branquitude trouxeram com facilidade, apenas pela cor da pele.
Imperioso mencionar, neste momento, que ser negro nos torna pessoas diferentes das demais. Não os torna incapacitados ou menores como seres humanos, profissionais ou qualquer coisa que os defina. Pelo contrário, os torna grandes e resistentes, mesmo que muitos acreditem e pensem o contrário.
*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião da JSB.