Em entrevista realizada em 15/06/2015 com o Presidente do Partido Socialista Brasileiro – PSB, Carlos Siqueira, se abordou a suspensão do processo de fusão com o Partido Popular Socialista – PPS, tratando o tema em uma perspectiva ampla, que procura detalhar qual é o projeto socialista para o Brasil.
Carlos Siqueira informa, ainda, sobre o cancelamento do Congresso Extraordinário do PSB, previsto para o próximo dia 20/06.
A entrevista relata, por fim, o projeto partidário para 2016 e as indicações iniciais que surgiram, quanto a este tema, no Planejamento Estratégico em curso.
ENTREVISTA
Carlos Siqueira, PSB e PPS estavam em processo de discussão de uma fusão, a depender evidentemente da observância dos ritos internos de cada partido. Há notícias, contudo, de que ocorreu a suspensão dessa iniciativa. Isso está ocorrendo de fato e, se verdadeiro, porque?
De fato, ambas as instituições partidárias estão reavaliando a possibilidade de fusão, em função de circunstâncias próprias à dinâmica política. Pelo lado do PSB, um primeiro ponto que foi discutido, e que impacta de forma decisiva a agenda que se imaginou inicialmente, está relacionado a uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, que prevê que a fusão não cria um novo partido.
Tal apreciação do Tribunal cria um problema relevante, porque estabeleceria uma janela de trinta dias na qual se admitiria que parlamentares eleitos em certames proporcionais deixassem as agremiações partidárias sem perda de mandato, não possibilitando movimento no sentido contrário, ou seja, o ingresso de membros no PSB que viria a resultar da fusão. Aqueles que nos apresentaram essa tese observaram que o PSB se sujeitaria a uma espécie de “ataque especulativo” no período de trinta dias, o que poderia tornar incerta uma das vantagens da fusão, que se relaciona ao crescimento de nossa bancada. Esse aspecto, evidentemente, é relevante e não poderia ser desconsiderado pela direção partidária.
Outro evento que tem grande incidência sobre a agenda da fusão está relacionado de forma direta ao andamento da reforma política no Congresso Nacional. Como todos sabem, o fim das coligações proporcionais, que era dado por certo, não se viabilizou. Desse modo, PSB e PPS podem unir esforços com vistas às próximas eleições e amadurecer a idéia de fusão em 2017.
É claro que nessas circunstâncias novas vale a pena reconsiderar a agenda que se previu originalmente, iniciativa que permite minorar todos e quaisquer eventuais riscos inerentes a um processo de tamanha complexidade para a vida das instituições implicadas.
Há, por fim, um terceiro elemento que se deve considerar. O tempo em que se imaginou processar a fusão, com congressos partidários previstos para 20/06 próximo, foi de fato pequeno para permitir a organização dos partidos em nível estadual. Ainda que houvesse uma maioria de estados em que existia consenso quanto àquilo que seria o cenário resultante da fusão, essa não era uma situação unânime. Como o cenário criado pela reversão da tese de fim das coligações proporcionais nos faculta um outro horizonte de tempo, não haveria porque incorrer em tensões desnecessárias no âmbito estadual.
Alguns dos que se opõem à fusão argumentam que a aproximação com o PPS levaria à descaracterização do PSB, enquanto partido de esquerda. Essa leitura está correta, ela foi determinando para o arrefecimento do processo de fusão?
Eu particularmente vejo nesse raciocínio uma de duas possibilidades, ou seja, ignorância ou má fé. Abordando inicialmente a primeira alternativa, todos aqueles que conhecem elementarmente a história política do Brasil sabem que tanto PSB, quanto o Partido Comunista Brasileiro, que veio a transformar-se no Partido Popular Socialista – PPS, têm um enorme histórico de lutas, ao longo de toda a história republicana, em prol do das causas populares e de transformações sociais.
Notem que o PPS é praticamente centenário, ao passo que o PSB já se aproxima dos setenta anos de vida, ainda que tenha havido o interregno da ditadura, em que o partido não teve uma existência formal em sentido próprio. Como partidos alinhados com as causas populares, estivemos juntos na defesa de bandeiras como a reforma agrária, o Sistema Único de Saúde; nos opusemos às ditaduras e militamos contra a ditadura de Vargas e contra aquela que se iniciou em 1964, com os militares.
O PPS esteve conosco na luta pela Assembléia Nacional Constituinte, pela anistia, se fez presente como o PSB no governo de união nacional do Presidente Itamar Franco, apoiou o Governo do Presidente Lula.
Mais recentemente, e sem que houvesse qualquer manifestação contrária digna de nota, o PPS se somou a nós na campanha presidencial de Eduardo Campos e como tal se manteve após seu falecimento, a ponto de o Deputado Roberto Freire ser convidado a discursar no lançamento do Programa de Governo da coligação Unidos pelo Brasil.
Esse retrospecto indica de forma clara e evidente que sob a perspectiva política o PPS tem estado próximo do PSB, da mesma maneira que ambos têm se perfilado em torno dos interesses e urgências populares. Notem que a orientação popular não aparece aqui ou acolá e, tampouco, é fruto de uma história recente.
As duas instituições partidárias se organizaram ainda à época em que partidos políticos eram mais do que tempo na televisão, ou meios para projetos pessoais, ou de grupos de interesse. Retomo, então, a segunda alternativa, que aventei logo no início, ao responder a esta pergunta: desconhecer essa história, nossas trajetórias de defesa dos interesses populares, como se elas não tivessem existido, tem que ser creditado à má fé, caso não passe de ignorância pura e simples da história republicana do Brasil.
O Governador Eduardo Campos ao se lançar à Presidência da República, mais do que simplesmente romper com o PT – o que muitos, já naquelas circunstâncias, interpretaram como uma guinada conservadora – denunciava um movimento pendular de nossa política, em que se alternam PT e PSDB. As movimentações que PSB e PPS continuaram a fazer, mesmo após sua morte, guardam relações com essa crítica?
O Governador Eduardo Campos tinha uma leitura muito acurada do Brasil e da conjuntura política mundial. Ainda que não tivesse tido tempo para teorizar suas percepções, sua prática política é inequívoca. Nesse sentido, a ruptura com o Governo da Presidente Dilma é cristalina e representou a compreensão de que o projeto popular que o PT liderou havia sido capturado pelas forças conservadoras.
Do ponto de vista da realidade política, isso significava uma espécie de solução de compromisso, em que consciente ou inconscientemente, o PT aceitava conter o desejo de transformação em nome de um projeto próprio e excludente de poder. Esse projeto de poder, como em muitas democracias maduras do mundo, passa pela consolidação de uma espécie de bipartidarismo, mesmo que velado, de tal forma que o oponente de sempre acaba sendo funcional para quem exerce o governo, pois impede que outros partidos que não fazem parte do arranjo bipartidário possam chegar ao poder.
Eduardo Campos se preparava para ser uma alternativa a essa alternância conservadora que estabeleceram entre si PSDB e PT, alinhando-se efetivamente com as causas populares, porque sabia que na lógica bipartidária as diferenças, ainda que existentes, não eram suficientes para promover transformações sociais que se adequassem minimamente às expectativas e anseios populares.
Nesse sentido, o PSB e o PPS até onde eu o saiba, estão na proa de um movimento de vanguarda na esquerda brasileira. Somos nós que fazemos a crítica interna, que discutimos as insuficiências dos governos petistas, dos quais fomos parte e para os quais buscamos alternativas, para além daquelas que já se demonstram ineficazes, no sentido de produzir inclusão verdadeira, desenvolvimento duradouro.
Como nós do PSB não temos medo de perder o poder – porque nosso Partido não é pensado para se perpetuar no poder, aos moldes das filiações ideológicas de partido único, ou desse bipartidarismo hegemônico – estamos dispostos a perseguir novos alvos políticos, experimentar novos arranjos, desde que esses tenham por referência os interesses populares.
Uma vez mais, portanto, minha convicção é de que a crítica que se fez à iniciativa da fusão – agora postergada para um novo momento – tentando demonizar a trajetória do PPS, ou ainda, atribuir o monopólio de formulação política a uma única agremiação partidária, como se a oposição a ela implicasse posições conservadoras, me parece equivocada e desalinhada, inclusive, com aquilo que ocorre em escala internacional.
Dou aqui um pequeno exemplo: como se interpretaram as eleições recentes na Espanha, em que se configurou a vitória do Partido Ciudadanos e do Podemos, em detrimento do Partido Popular e do Partido Socialista Operário Espanhol? A leitura não é apenas de que perderam o PP e o PSOE, mas sim de que o bipartidarismo que os reunia sofreu um duro golpe, simplesmente porque a população espanhola não suporta mais trocar “o mesmo, pela mesma coisa”.
É legítimo inferir, portanto, que em lugar de implicar uma aproximação com agremiações como o PSDB – algo muito propalado na imprensa – o PSB procura aprofundar o projeto original de Eduardo Campos, no sentido de romper com a lógica bipartidária que se impôs sobre a agenda política?
Sem dúvida alguma. A fusão, se ocorresse e se vier a ocorrer, está inscrita na direção da construção de uma alternativa efetiva de poder, para se opor ao arranjo que tem imperado no Brasil e que não produziu, até o presente momento, ganhos verdadeiros e duradouros para os segmentos populares.
Veja, nossas aspirações como partido de esquerda são muito maiores do que universalizar o financiamento de veículos automotores, ou de prover habitações sem habitabilidade. Nossa máxima aspiração é universalizar o acesso a bens públicos como educação, saúde, segurança, habitação, mobilidade urbana, cultura e lazer etc.
Isso implica discutir o que é fundamental, ou seja, distribuição de renda e riqueza, justiça tributária, inclusão social efetiva, geração de oportunidades de emprego e renda, acesso à cultura etc. Como se disse na campanha presidencial de Eduardo, não temos nada contra o Bolsa Família, mas tudo contra limitar os programas governamentais na área social ao Bolsa Família. Não queremos apascentar a pobreza, mas construir um arranjo hegemônico que nos conduza a sua completa e radical erradicação.
Carlos Siqueira, traduzindo em miúdos, o PSB está despertando críticas por não se perfilar a qualquer dos partidos hegemônicos na política brasileira?
Obviamente não posso responder pelos atores políticos que querem que o PSB se alinhe automaticamente, quer ao projeto de centro-direita, quer àquele que se diz de centro-esquerda. Posso falar de modo legítimo, contudo, sobre nosso ânimo interno. O PSB tem definição ideológica clara, pois sempre esposou a tese do socialismo democrático; tem projeto político autônomo e, portanto, participou de ou deixou governos, em função de suas convicções programáticas.
Nesse momento, somos portadores de um diagnóstico preciso sobre o quadro político brasileiro e, em nossa avaliação, se apresentou a necessidade histórica da superação dessa alternância de poder, em escala nacional, em que se revesam PSDB e PT. Saliento que essa não é minha leitura apenas e tampouco do PSB: as ruas têm indicado a urgência da renovação das plataformas políticas e da forma de se fazer política.
Portanto, se tivermos força para fazer essa diferença no cenário eleitoral, liderando um projeto de renovação, o faremos. Caso contrário, como sempre ocorreu, nos uniremos a quem nos aceitar com a autonomia política, programática e ideológica com que sempre nos apresentamos a nossos parceiros. De todo modo, vamos incidir sobre a agenda política até 2018, como portadores de reivindicações populares claras, que passam não apenas por objetivos de políticas públicas, mas também pela renovação do fazer político e das instituições políticas.
Creio que isso baste para dizer, de forma nua e crua, que o PSB não tem e nunca teve vocação para ser linha auxiliar de A, B ou C. Diria mesmo o contrário: aqueles que pretendem sufocar os movimentos de reflexão, que expressam legítimos anseios populares, talvez se encontrem, eles, a serviço de A, B ou C. Não é esse, contudo, o papel do PSB, de seus representantes nos parlamentos e executivos e, tampouco, o ânimo de sua vibrante militância.
Podemos pensar então que romper com a configuração bipartidária que se assenhorou da política brasileira é a grande meta, ao passo que a possível fusão como o PPS seria uma estratégia nesse caminho?
Creio que essa maneira de conceber a questão se acerque de forma razoavelmente precisa do movimento que está em curso. Veja, nossas afinidades com o PPS, como indiquei anteriormente, não nascem da fusão e não deixam de existir, caso ela não prospere.
Somos ambos partidos que têm ideologia, programa e convicções. Estamos convencidos de que é necessário renovar as instituições partidárias, o modo de se fazer política, conferir contemporaneidade às bandeiras de esquerda e desenvolver iniciativas que afirmem o protagonismo popular, por meio da intensificação de instrumentos de democracia participativa. Acreditamos na democracia como valor fundamental, somos maduros para não almejar o monopólio de idéias, ou a tutela das demais agremiações partidárias, dos movimentos sociais, dos sindicatos e centrais sindicais etc.
No cenário que emergiu do andamento da reforma política, ao menos até 2016, pouco diferença faz se estabelecermos desde já uma fusão, ou se articularmos uma estratégia futura de ação comum. O importante, a meu ver, é continuar reunindo as forças que não pretendem apenas perpetuar o arranjo existente; que repudiem, por exemplo, esse ajuste fiscal, cuja fatura é apresentada quase integralmente ao povo – iniciativa esta, flagrantemente conservadora e oriunda de gente que nos critica por querer construir um caminho autônomo e alternativo de poder.
Aqueles, portanto, que querem ver na revisão de nossa agenda comum com o PPS uma derrota deste ou daquele, avaliam o cenário segundo sua perspectiva de varejo, em que o Brasil resta sempre uma circunstância, no contexto de um projeto de poder exclusivo e excludente. Nós, bem ao contrário, estamos refletindo sobre o Brasil em horizontes de ao menos vinte anos.
A agenda da fusão trouxe algum tipo de problema para a unidade partidária?
De modo algum. Bem ao contrário, como Presidente do PSB, fiquei extremamente feliz ao ver que aqueles que se opuseram à tese da fusão o tenham feito com lisura e de forma extremamente amistosa, sempre com o propósito de contribuir para com o debate interno.
Essa forma de conduzir as coisas demonstra não apenas nossa maturidade para discutir questões internas com amplas repercussões para o Brasil, como também evidencia uma preocupação salutar com a unidade partidária.
Creio, igualmente, que haja nessa postura que preponderou no Partido, com alguns desvios muito localizados, uma leitura de nossa responsabilidade perante o País. Todos sabemos que há um espaço a ser ocupado pelas forças progressistas, por aqueles que apresentem ao Brasil propostas ousadas, visando a construção de algo que possamos chamar verdadeiramente de bem comum.
Nesse quadro despontaram com enorme sabedoria várias de nossas lideranças, tanto no parlamento, quanto nos executivos estaduais. Esse é um motivo de alegria genuína, pois permite antever que o Partido se manteve vibrante e vigoroso, mesmo com ausência recente de nosso grande líder, Eduardo Campos.
Carlos Siqueira, para finalizar, o PSB tem um processo de Planejamento Estratégico em andamento. É possível adiantar as principais metas que vão emergir dessa atividade?
O processo não apenas está em curso, como estamos em vias de finalizá-lo. Quando pudermos dar publicidade a suas grandes linhas, para cuja definição se movimentou o Partido todo, desde militantes até representantes parlamentares e titulares de cargos executivos, ficará expresso de modo prático o que significa autonomia para nós.
Como uma indicação preliminar do que vem à frente, posso adiantar que o primeiro grande desafio que nos propusemos foi o de consolidar a expectativa muito favorável que temos, em relação às eleições municipais. Nesse sentido, vamos ter candidaturas competitivas nas três principais capitais do País – Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo –, o mesmo ocorrendo em Recife, Fortaleza, Curitiba, Aracaju, João Pessoa, Porto Velho, São Luiz, Goiânia, Campo Grande, Cuiabá, Palmas, Macapá, Manaus, além de Campinas – SP, cidade à qual atribuo uma importância similar à de capital estadual.
As campanhas que conduziremos até 2016, considerada inclusive a amplitude territorial e política que têm, já nos evidenciam como campo alternativo de poder, construído legítima e integralmente a partir de uma perspectiva popular. Não estamos, portanto, disputando no terreno retórico, das opiniões ou dos palpites. Vamos para as ruas com candidaturas competitivas e com a convicção de que faremos diferença material.
Esse é o verdadeiro ponto de chegada de qualquer iniciativa em que o PSB esteja envolvido, ou seja, que o Partido e as forças que articula sejam meios em um projeto de empoderamento popular, de construção de autonomia e emancipação. É isso que almejamos e, com certeza, iremos conseguir, mesmo que para tanto tenhamos que perseverar na luta pelo tempo que for necessário.