Após quatro anos de uma política externa marcada por um isolacionismo, o Brasil voltou com Lula e Alckmin, mas voltou em um cenário internacional tenso e cheio de incertezas. A política externa do novo governo Lula é, e será desafiadora nos próximos 4 anos, tendo como principais pautas: meio ambiente e clima, integração sul-americana, segurança internacional, economia internacional e governança global.
O meio ambiente tem sido cada vez mais uma questão de pressão e debate internacional, quanto ao mérito podemos dizer que há consenso, precisamos cuidar do meio ambiente e das mudanças climáticas, ponto. O debate está em outra esfera já que as mudanças climáticas não estão restritas às fronteiras, sendo os Estados entes soberanos. Como os países ricos que se desenvolveram destruindo o meio ambiente vão compensar os países mais pobres? Portanto, esses países que além da necessidade de desenvolverem-se economicamente precisam fazê-lo sem estressar o meio ambiente. Em suas viagens, Lula tem conseguido recursos financeiros para o Fundo Amazônia, o ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a recusar repasses de outros países ao Fundo.
No que tange a integração regional, o Brasil sempre foi o grande articulador e potência da América do Sul, é da diplomacia presidencial brasileira que se espera a liderança deste bloco de países. No início de janeiro, o Planalto informou que o presidente Lula assinou o decreto que retorna o Brasil como parte da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) – havia se retirado em 2019 durante o governo Bolsonaro – grupo este que fora criado durante o segundo governo Lula. O objetivo da UNASUL é fomentar a integração dos países sul-americanos em áreas de interesse social, cultural, científico-tecnológicas e política, além de integrar as duas uniões aduaneiras do continente, o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e a CAN (Comunidade Andina). O tratado da UNASUL visa avançar rumo ao desenvolvimento sustentável e o bem-estar dos povos da região, identificando problemas comuns e buscando soluções. É fundamental que o Brasil retome a força do bloco regional para nos fortalecer nas relações comerciais com mercados mais poderosos, como Estados Unidos (EUA) e Europa, além de diversificar o mercado interno regional.
Na segurança internacional se destaca o conflito russo-ucraniano, são frequentes e insistentes as perguntas da mídia internacional durante as coletivas de imprensa durante as viagens do presidente, por um lado é um bom sinal, mostra que o mundo voltou a querer saber a posição brasileira, reconhecendo-nos como ator internacional de relevância, o que não era no governo anterior. Por outro lado pressiona e coloca o Brasil em uma posição delicada, a diplomacia brasileira tem potencial e histórico que mostram a nossa capacidade na resolução pacífica de controvérsias. O presidente Lula tem adotado uma postura de neutralidade mas ousada, agrada a “gregos e troianos” além de colocar o Brasil à disposição para mediação e busca da resolução do conflito já que Europa e EUA estão sustentando essa guerra. A avaliação do presidente brasileiro é bastante assertiva quando diz que apenas um grupo de países não alinhados tem a capacidade para acabar com a guerra. Essa postura está alinhada com as justificativas apresentadas pelo Brasil para ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Perante um cenário internacional em transformação, EUA e China travam uma disputa pela liderança da governança global que por sua vez se dá em diversas áreas, como comércio, economia mundial, organizações internacionais, cultura e até mesmo nas disputas espaciais. Além das disputas comerciais, tecnológicas e por influência, sobretudo há um embate de ideias entre EUA e China que por sua vez possuem visões diferentes acerca da institucionalidade internacional e de política externa. As duas primeiras décadas deste séculos guardam inúmeros sinais de que está ocorrendo uma queda do poder estadunidense, até então líderes da governança global. Isto acontece tanto por desacertos internos dos EUA quanto pela confrontação chinesa pela via econômica e institucional, em busca de uma nova ordem mundial. Devemos ter como premissa que governança é diferente de governo, ainda que estes termos sejam semelhantes e tenham uma etimologia comum não são sinônimos ou pelo menos não deveriam ser tratados como tal; governança é um arranjo sistêmico estabelecido que se efetiva pela relação entre sujeitos, sua legitimidade corresponde ao fato de ser aceito e reconhecido pela maioria ou pelos atores mais poderosos, neste caso os Estados. Já os governos funcionam mesmo diante de grande desaprovação e sob intensa oposição. (ROSENAU, 2000)
Diante deste cenário, o Brasil retoma a sua presença mais efetiva no grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o que ficou claro durante a visita do presidente Lula à China, onde foi recebido de forma ilustríssima pelo presidente Xi Jinping ao som da música “Novo Tempo” de Ivan Lins em uma cerimônia distinta. Durante a viagem ao país asiático, Lula compareceu à posse da ex-presidente Dilma, agora como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, essa instituição que torna-se uma importante alternativa para o financiamento de grandes projetos, também um contraponto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e a quebra da hegemonia do dólar americano nas trocas comerciais.
Em face das questões expostas neste texto, a política externa do novo governo Lula retoma a diplomacia presidencial e o pragmatismo ecumênico responsável, que de certa maneira é uma atualização da PEI (Política Externa Independente), buscando tornar o Brasil um ator protagonista no cenário internacional por meio de uma política autonomista.
ROSENAU, James. Governança, ordem e transformação na política mundial. In. ROSENAU, J. CZEMPIEL, E. (org.). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Tradução: Sérgio Bath. Imprensa Oficial / Editora UNB, 2000.
*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião da JSB.