Pensar num futuro melhor para todos nós passa obrigatoriamente por revisitar o passado, e o do nosso país, não é nem de longe algo a se orgulhar. O Brasil foi construído a base de muita misoginia, exploração e sangue, fomos o último país no continente americano a abolir o regime escravagista. Durante muito tempo, a história brasileira que nos era contada invisibilizou a atuação de grandes mulheres pretas na construção da sociedade brasileira, colocando como principais atores homens brancos, burgueses e europeus.
Por essa razão, a história e a luta de toda a população preta, sobretudo, das mulheres pretas, se baseia numa trajetória que corresponde a uma dinâmica social de muita resistência, e que está necessariamente ligada com a preservação da história, da memória e da emancipação. Conquistamos nossa liberdade durante o período escravocrata comprando alforrias, fugindo para os quilombos, controlando o comércio e vendas de rua. Um dos grandes exemplos dessa coragem, resistência e organização para a história brasileira, foi a luta de Teresa de Benguela.
Símbolo de resistência, liderança, força e luta pela liberdade, Tereza é um ícone da resistência negra no Brasil Colonial. Vinda de uma dinastia africana, viveu na região do Vale do Guaporé, em Mato Grosso, e resistiu bravamente à escravidão por mais de 20 anos quando conseguiu fugir com seu companheiro. Após a morte de seu marido, passou a liderar o Quilombo Quariterê, comandando a estrutura política, econômica e administrativa da comunidade que abrigava mais de cem pessoas, enfrentando também diversas batidas da Coroa Portuguesa.
Relembrar o protagonismo da nossa Rainha Teresa e acessibilizar a sua história de luta e resistência, enfatiza o lugar fundamental da mulher brasileira quilombola e negra, que desde sempre ocupou papéis centrais nas ações estratégicas para a libertação e sobrevivência do seu povo, na proteção dos saberes ancestrais, na constituição da sociedade e no desenvolvimento econômico brasileiro.
Por isso, reelaborar os significados em torno da relevância da mulher negra no nosso país, mais do que uma reparação histórica, é também sobre a importância e urgência, de criarmos e construirmos hoje, um futuro mais igualitário e possível para todos nós.
Quando conseguirmos reverter esses dados, em que nós estamos presentes nos piores índices sociais, onde somos os principais alvos da violência doméstica, da violência obstétrica, da intolerância religiosa, do racismo ambiental, institucional e principalmente da violência política, estaremos mais próximos de equalizar o jogo.
Para um futuro plural, a diversidade de pessoas e ideias devem estar presentes em todas as esferas do poder e na elaboração de programas sociais. Precisamos de políticas públicas permanentes, que estimulem a participação e o envolvimento de mais mulheres pretas nos espaços de poder, com o compromisso de gerar impactos a longo prazo, e não apenas nas proximidades do dia 25 de julho ou 20 de novembro.
O futuro é preto, e é com esperança, respeito e muita gratidão aos que vieram antes de nós, que vamos construir juntos o nosso Brasil mais equânime e justo. E aqui, a fala da ativista Angela Davis se encaixa perfeitamente: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”.
*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião da JSB.